PITA FOGO BARRETOS

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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pixiu: peão e cozinheiro bom de prosa

Um dos mais antigos cozinheiros das comitivas que transportavam gado pelo Brasil afora decidiu encerrar sua participação na queima-do-alho da Festa do Peão. O vencedor da competição culinária de 1995 diz que viu, contrariado, seu prêmio rateado entre os integrantes da comitiva. Passado o incidente, Pixiu, bem-humorado, gosta de lembrar e contar à nova geração “os bons tempos” em que conduzia boiada de fazenda em fazenda até chegar num frigorífico ou charqueada para o abate.
A vida dura da lida do estradão é considerada “folgada” por Pixiu. Acordar pela manhã, fazer um café bem forte para a peonada. Em seguida, arrear o cavalo, colocar o cargueiro no burrão e rumar na frente da boiada. Depois de um tempo de marcha, arranchar, retirar da broaca as panelas, talheres e outros utensílios para preparar o almoço. No cardápio, “Maria Isabel” (também conhecido como arroz de carreteiro), feijão tropeiro e carne assada. Para tirar a poeira da goela uma aguardente de engenho ou a legítima “Barra Grande” de Mato Grosso.
O tempo é curto. A peonada “fila a bóia”. O cozinheiro lava a tralha rapidamente e segue em frente rumo ao ponto de pouso a fim de preparar a janta. O tipo de serviço o mantém um pouco isolado dos companheiros. Não admite reclamações. O argumento é poderoso:
-- “Na estrada não temos tempo de fazer mamadeirinha prá neném, sopinha de macarrão para filhinho querido. Lá em Barretos, a mamãe tem tempo”.
E o reclamante tem que engolir a definição de “bóia”.
-- “Aqui chama-se come calado... e do que tem!...”
Dia destes, um sujeito foi até a residência de Pixiu, na Vila Marília, somente para conferir que em certa ocasião o cozinheiro havia esquecido o berrante num ponto de pouso. Provocado, a resposta foi imediata:
-- “Nunca aconteceu isso!”
Ainda irritado, veio o desabafo:
-- “Onde já se viu?!?...”
Porém, admite ter esquecido a trempe (fogão) “uma única vez...”
Segundo Pixiu, durou mais de 20 dias a viagem da comitiva de Sebastião Rodrigues que levou cerca de 1.200 cabeças até a fazenda na região do Anhembi, em São Paulo, cuja proprietária seria Dona Iaiá. Era 1946, início da carreira do cozinheiro. Tuca Preto fora o corretor da boiada. A volta, até Itirapina, acontecera a cavalo. De lá, até a terra de Chico Barreto, embarcaram no trem da antiga Companhia Paulista.
Assombração, lobisomem, mula-sem-cabeça, come-língua e “outros bichos” nunca foram vistos por Pixiu. Apesar de destemido e valente, era ressabiado com casa velha, preferindo arranchar no tempo, debaixo de uma árvore. Ao garantir que não tinha medo de nada, Pixiu recorda que em certa ocasião esteve numa fazenda de propriedade de Braz de Ávila, em Três Lagoas, MS. No interior da casa, ouvia um “zumzum”, semelhante ao barulho d’água de uma cachoeira. No entanto, no terreiro, não escutava nada.
Outro fato que considera estranho acontecia na antiga chácara da Dona Henriqueta (hoje, bairro da cidade com o nome da ex-proprietária das terras). De acordo com Pixiu, à noite, mesmo com lua clara, tanto no galpão como no terreiro ou no meio do cerrado, os cachorros acuavam e não se via coisa alguma.
-- “Acho que esses lugares eram assombrados”, afirma.
No meio da prosa, Pixiu, também metido a compositor, convida o cunhado Lazinho para um “show” particular. E a dupla caipira apresenta um cururu que retrata a vida do cozinheiro\;
“O meu nome é Laudelino
Natural fui batizado
Na cidade de Barretos
Fui nascido e fui criado.
O meu pai é sitiante
Mora meio arretirado
Foi um caboclo de gosto
E também muito estimado”.
E os versos se sucedem até o arremate:
“Fomos buscar uma boiada
Entre Franca e Batatais
Eram duas comitivas
E também dois capataz.
Agenor e Sebastião
Que prá contar eram os tais
Essa ficou na lembrança
Não esqueço nunca mais...”
Quando entrevistei Pixiu em 1997, ele estava beirando os 76 anos de idade. Agora já completou 89 anos. Nasceu na Fazenda Monte Alegre, em Barretos, sendo registrado Laudelino Marques de Castro. Casado com dona Leonor teve 10 filhos e muitos netos e bisnetos. Funcionário público aposentado, ex-cozinheiro de comitiva, viúvo, mora ainda hoje na rua 38, na Vila Marília.

Publicado originalmente no jornal O Diário, edição de 13 de agosto de 1997.

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